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Livro: MOMENTOS DE PAIXÃO



Ouvi o grito agudo da minha alma em luta pela mulher. Vigiei-me a mim mesmo nos momentos de paixão, de intoxicação amorosa, e estudei-os para os usar na minha arte.
(Auguste Rodin)












***

Ah, como te sinto, maravilha, ao menos
em minh'alma por cem multiplicada!
És estação no mais longo dos meus anos,
dia escuro e noite iluminada.

Tirastes novas flores deste meu chão
jovem, que a ti se entregou;
nunca mais puro despontou um botão
que os que a tua magia despertou.

Meus pássaros não fizeram ninho, cantaram...
Ah, guarda-me os mais belos trinados -
para que os desejos que em ti se amotinaram
peso e medida sejam dados.

A mulher colhes rosas. De repente
toca o membro vivo dele, botão
cheio. Assusta-a a diferença, e num instante
esvaem-se nela os jardins [de Verão]

***

Ao escrever-te, saltou seiva
na máscula flor
que à minha humanidade
parece fértil e enigmática
Sentirás tu, ao leres-me,
distante terna, a doçura
que no feminil cálice
espontânea ocorre?

***

Oh, não me eleves!
Quem sabe se me ergo.
Levanta apenas ao de leve o rosto
para que, chovendo eu,
Quase te pareçam ser lágrimas tuas.
Se te assolar a minha tempestade,
coloca-te, direita, frente ao meu vento;
fecha as pálpebras ao meu sopro,
fica cega
desse simples ver-me

***
Tu, a que me rescende: doce,
como as próprias tílias:
agora que te saúdo de novo,
esperarei prender-te?
Ou seja, libertar-te,
com a minha saudação?...
Sonha-o apenas, ou fá-lo _:
ambas as coisas são ser.

***

De quem estamos próximos? Da morte ou disso
que não é? barro e barro, que seria isso
se o deus sensível não moldasse a figura
que nasce entre nós dois? Pensa, repara:
Este é o meu corpo que vai ressuscitar.
Ajuda-o a sair da sepultura ardente
para aquele céu que em ti tenho presente:
e a sobrevida, ousada, dele há-de brotar.
Tu, da funda ascensão o lugar novo!
Tu, negro ar cheio do pólen de Verão!
Quando mil espíritos te encheram de turbilhão,
enternecer-se-à, já morto, este meu corpo.

***

Como nos fez raros o espaço infinito!
Voltam a si excessos e opulências.
Caem dos beijos, crivo mudo, as essências
da vida amarga, vermute e absinto.
Somos um mundo! Do meu corpo lança
uma árvore nova a copa cerrada
que para ti sobe: mas repara, é nada
sem o Verão que no teu ventre dança.
És tu, sou eu, quem tanto deleitamos?
Quem o dirá, se nos esvaímos?
Pode ser
uma coluna de êxtase que vemos
suster a abóbada, mais lenta a morrer.

***

Não mais do que o estar quente de um anel
que acabasses de tirar do teu dedo,
e quanto à pressão: como se avaliasses tais coisas,
ai: o peso de ser uma borboleta...
mais de ti não saberei, Prado,
em ti crendo, sem (quase) prova,
como a luz no salão de baile sabe da seda,
como a seda sabe da flor.

***

Por metade chamo-te, por metade aparto-te de mim,
para não perturbar o belo encantamento;
ao escutar-te os pulsos, digo-me:
não estarás aqui?
Que há no teu ou no meu lugar?
De todas as vezes que me acolhes no teu interior,
assustado como se por recordação futura -;
não estarei aí?

***

Não conheces torres, tu, que feneces.
Mas vais descobrir uma agora
no fabuloso espaço que afora
em ti. Fecha, como numa prece,
o rosto. Foste tu a levantá-la
sem dares por olhares e acenos de mão.
De súbito, é a plena perfeição,
e eu, homem feliz, posso habitá-la.
Ah, lá dentro é como um abraço!
Leva-me à cúpula com os teus afagos:
a ver se em tuas noites mansas lanço
com o ímpeto que pões ventres em fogo
mais sentimentos do que eu próprio alcanço .

***

10 poemas de Rainer Maria Rilke
Momentos de Paixão (com ilustrações de Auguste Rodin)
da Relógio D'Água

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